Obras

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017




Inicialmente eu havia pensando no título "Desatando o nó" para tratar do mistério que meu amigo debatedor acredita envolver o fenômeno Óvni, mas não ia ficar legal porque, ao desatar um nó, as pontas se soltam, e não quero pontas soltas nesse assunto. Apesar de concordar comigo em quase tudo, o que está pegando é que ele entende haver algo por trás do fenômeno, alguma coisa que "controla e dita as regras do jogo" (as aspas são minhas). E o que seria esse "algo"? Seria "alguém"? Quem? Ao final você entenderá o título, mas certamente já intuiu a razão da mudança. De qualquer modo, um tem a ver com o outro...

Meu leitor tem como ponto de partida o pensamento de Jacques Vallée, citado aqui várias vezes. Em uma entrevista que fizemos com ele há alguns anos, afirmou: "É difícil não ficar impressionado com o fato de que o fenômeno tem tomado várias formas através da história, desde os navios voadores de Magonia no século IX na França às naves voadoras de 1897 e os foguetes-fantasmas em 1947 na Escandinávia. As características físicas básicas são as mesmas, porém o fenômeno foi captado de maneira diferente em cada cultura. Uma parte disto se deve simplesmente ao contexto social, mas parece também existir algum tipo de interação entre o fenômeno e as testemunhas. É por esta razão que eu propus a ideia que isso representava um sistema de controle".

Abro parênteses. O que interessa a Vallée não é o "filme" - o evento - mas quem está na "cabine de projeção" - a sua origem. Metáfora bonitinha. Sem sombra de dúvida temos aqui uma estrutura religiosa de pensamento - 'alguém' comanda o espetáculo. Já falei sobre isso aqui, mas vou repetir porque sou chato - isso é transferência de responsabilidade: o ser humano não quer assumir culpas, se exime de qualquer compromisso com a vida, está sempre fugindo da realidade porque é fraco e covarde. Tem que bater no fígado para o sujeito sentir na boca o gosto amargo dessa realidade. Assisto a esse filme há anos e não vejo mais nenhum mistério. Fecho parênteses.



A síntese de pensamento de Vallée é a de que o fenômeno opera através de uma “consciência não humana”, fazendo parte de um domínio ainda não explorado da natureza. Seria, portanto, uma expressão carregada de simbolismo de “uma outra inteligência”. O que isso significa exatamente? Vallée responde: "Meu amigo Aimé Michel pensava que nós já estávamos na verdade em uma rua sem saída. Eu discordo, porque ainda é muito cedo para se chegar a esta conclusão, uma vez que a Ciência ainda não se aplicou ao estudo do fenômeno. Teoricamente é possível que a forma de consciência envolvida (seja extraterrestre ou não) é tão avançada ou tão estranha a nós que a questão de interação seja realmente insolúvel. Afinal, nós sabemos que algumas questões matemáticas não têm respostas, de forma que esta não é uma situação nova na Ciência".

Com todo respeito, discordo totalmente quando diz que "a Ciência ainda não se aplicou ao estudo". Talvez ele esteja se referindo às ciências naturais por ter livre trânsito nessa área, mas não pode desconhecer que as ciências sociais têm muito a dizer. Ele também não pode ignorar o fato de que o objeto da pesquisa nunca foi levado ao laboratório para ser examinado. Vamos dissecar sua resposta. Não fica claro a que tipo de interação ele se refere, e deduz que essa seria a razão para propor um "sistema de controle" de uma consciência não humana. Consciência não humana? Existe tal coisa? Resposta evasiva sem o mínimo fundamento. Depois ele admite que teoricamente possa ser humana, mas tão avançada ou estranha que se torna um problema insolúvel. Tergiversou de novo: É óbvio que tudo que seja estranho possa não ter resposta. "Pode ser humana ou extraterrestre". Haveria uma terceira opção? Vallée parece colocar uma eventual explicação nas mãos do imponderável quando diz "consciência avançada não humana". Minha discordância agora é absoluta.

Vamos supor uma "inteligência superior humana". Improvável, mas só para reflexão: Quem poderia ser, um colegiado invisível de mentes brilhantes e finalidades sombrias? Um comitê dominante multidisciplinar global? Uma organização secreta das superpotências? O sistema mundial de comunicação de massa? Ou algum organismo oculto tecnologicamente avançado operando nos porões? Ou ainda uma poderosa e milenar ordem militar-religiosa? Convenhamos, isso é de uma extravagância ficcional hollywoodiana com pendores de surto alucinatório-psicótico. 

A segunda ideia, uma "consciência não humana". De quem estamos falando, Deus? Entidades interdimensionais ou sobrenaturais? Sendo mais direto, estamos falando de seres extraterrestres? Você acha mesmo que alienígenas estão por aí controlando a humanidade? Espero sinceramente que esta não seja a sua crença. Posso estar errado, mas fico com a impressão de que Vallée confia demais no depoimento humano. Sei do seu apuro ao avaliar a veracidade dos relatos, em passar um filtro nos dados e de ser muito criterioso no julgamento, mas em nenhum momento parece considerar a possibilidade de sermos nós mesmos o agente causador e fomentador do fenômeno. É descabido pensar nisso? Pois é muito mais sensato que suas respostas. Discutirei isso semana que vem.

Eu não vejo nenhum problema insolúvel. Para Vallée, o desafio está em explorar novas hipóteses. Falou o óbvio. Então, se todas as explicações anteriores falharam, proponho enfaticamente pensar por que a resposta não pode estar em... nós? Por que não podemos estar no olho do furacão - ou ser o próprio, em outras palavras, ser os mentores dessa encrenca? É muito mais racional e obedece aos princípios da lógica mais elementar. Seguramente, é a resposta procurada pelo leitor, por Vallée e por aqueles realmente comprometidos com a verdade. Poucos, diga-se de passagem. O meu diagnóstico é que não há nenhum sistema de controle inteligente - de qualquer natureza - por trás do fenômeno. Ele só existe porque nós o criamos.

Admitir que inventamos o 'disco voador' porque precisamos dele é sinal de maturidade e inteligência. Insisto: Crer na existência de alienígenas pilotando naves voadoras por aí é viver em permanente estado de devaneio, de irrealidade. Acreditar que algo ou alguém controla os bastidores da vida implica reconhecer que somos marionetes de uma contingência incontrolável, o intangível,  que tudo já está determinado, são cartas marcadas, ou seja, somos pobres esboços de humano, sem nenhum valor existencial, incapazes de amarrar o próprio sapato. Triste dependência. Tristes marionetes.

E não me venham esotéricos, místicos, "sensitivos" e ocultistas bradarem que se trata de uma dimensão desconhecida pelos homens. Falácia, conversa vadia de quem não tem o que dizer ou pior, não sabe o que diz, típico de cabeças desviadas da realidade. Quer crescer de verdade? Deixe essa história de invasores e salvadores das estrelas, os "irmãos cósmicos", para os tolinhos, os fremitosos sonhadores, os quiméricos e os embusteiros, e para os escritores de ficção científica, que sempre fazem bom uso dela. Semana que vem vamos falar mais sobre 'mistérios'.
carlosalbertoreis51@gmail.com

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