Obras

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sexta-feira, 4 de agosto de 2017


A CULTURA DA IDIOTIA

A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a
suspeitar que é um continente.
Simão Bacamarte
O Alienista
(Machado de Assis)


Idiotia, segundo os dicionaristas, é "Atraso intelectual profundo, caracterizado por ausência de linguagem e nível mental inferior ao da idade normal de três anos." No campo da Psicologia Social, ela é definida como a dificuldade de se coordenar fala e pensamento. Certos tipos de idiotas se reproduzem como ratos no esgoto, em todas as sociedades e em todos os estratos - política, economia, ciência, esporte, cultura... Sim, eu sei, você dirá que sempre foi assim, que imbecis sempre existiram, e é verdade, mas é verdade também que a idiotia está mais exposta hoje, é viral, contagiosa, progressiva e cumulativa, e o que é mais grave, midiática e espetacularizada. Se você discorda, repense, olhe à volta e veja como e para onde o mundo caminha.

Recebi, esta semana, um informe a respeito de um tal Congresso sobre Varginha, agendado para 2018. Não se trata da cidade, mas do "caso", sim, aquele mesmo comentado aqui semanas atrás em "Delírios de uma tarde de verão". Pelo visto, delírio que nunca vai acabar. Tenho a impressão que os ufólogos não dormem desde então, numa sanha obsessiva em 'esclarecer' o caso a partir da sua versão para decretá-a como única, verdadeira e definitiva. Para referendar o epíteto do evento, "Finalmente, o fim do silêncio", convocaram testemunhas, jornalistas e militares e militantes. Recomendo enfaticamente que você (re)leia o post citado acima, e não deixe de ler principalmente "Insanidade, pantomima ou estupidez?" Os três estão ligados, mas, se puder, leia todos, para entender o leitmotiv deste blog. 

Quem me conhece ou está me conhecendo agora, sabe o quanto tenho martelado exaustivamente sobre a obrigação, o dever ético e moral inegociável de se cultivar, preservar e priorizar a razão, centrar o capital cognitivo na lógica, focar no estudo e na reflexão transdisciplinar como único instrumento capaz de fazer frente aos desafios que nos tocam o tempo todo. Mas a sombra que se ergue no horizonte me assusta e faz aflorar os piores pressentimentos. Me causa repulsa e indignação, em particular, ver a ignorância prevalecer onde deveria haver um mínimo de inteligência, respeito ao próximo e apreço pela decência. Mera quimera, claro.

Estou falando, mais uma vez, daqueles indivíduos inescrupulosos, ineptos e inaptos, deslocados no tempo e à margem da realidade, privados da razão, sem formação e informação, sem história e sem cultura, sem memória, sem estatura, sem éticasem rosto, sem nome, sem lastro, sem passado e sem futuro que, agindo na ilicitude intelectual, promovem um derrame irresponsável de parvoíces, desvarios, aleivosias e taras paranoicas escudadas em literatice da pior qualidade, sem dar espaço para a réplica crítica em razão do seu analfabetismo intelectivo.

Um após outro, mentores da excrescência a expelir, com ignóbil soberba, matérias de conteúdo nauseabundo. Diante desse descalabro, não há como condescender, calar, ser indulgente. Suprimi nomes mas não poupei adjetivos. Não sei que alcance minhas palavras terão, se é que terão, mas não poderei ser acusado de omissão por não alertar os desavisados dessa récula enferma.

Pode até ser compreensível este comportamento de viés psicopático, uma vez que não aconteceu nada de relevante nos últimos 20 anos. Desnutridos, e não havendo carne fresca, o jeito é desenterrar os mortos e saciar-se como hienas famintas do que restou da carniça. É deplorável o cretinismo, o desatino, o cinismo, a falta de discernimento, de lucidez e noção do ridículo a que se prestam sem o menor pudor. Estou me referindo a todos os envolvidos nesse anunciado embuste congressual, a começar pelos ufólogos, que, se caírem de quatro não levantam mais; aos jornalistas, a quem se deveria exigir um nível mental compatível com a profissão que exercem, já que cultural e intelectual seria pedir demais; e aos militares, cujo dever de ofício, em princípio, é nos proteger contra os insanos, os perigosos, os aloprados, os estúpidos e outros do gênero, e não de juntar-se a eles. A menos que se reconheçam como tais, que espero não seja o caso. Não é nada confortável saber que a segurança de um país está nas mãos de quem perde tempo correndo atrás de disco voador. Não há inocente ou inofensivo nessa história. O que há é falta do que fazer, é obtusidade e desinformação.

Se quem se sentir atingido espernear, é porque que tenho razão; se não espernear é porque sabe que tenho razão. Enquanto alguns repousam à sombra do sisifismo e nada plantam, outros lavouram a terra e "atiram pedras no charco". Não tenha dúvidas de que se trata de mentes atrofiadas, inférteis, de "atraso intelectual profundo", de cérebros cativos, confinados no vazio, e de cegueira cognitiva incurável. Estou falando de fósseis vivos, de crenças fundadas na irracionalidade e na fantasia, de delinquência verbal e fraude retórica. A falta de norte e de prumo implica uma ruminação discursiva bisonha. Isso pressupõe estarmos lidando com uma subespécie de antropoides do mundo moderno - o homo ignarus - julgada extinta, a ser estudada não mais pela arqueo-antropologia, mas pelas ciências sociais. Ou, melhor ainda, pelos alienistas. 

A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades;fora daí insânia, insânia e só insânia. (Bacamarte)

Para não se contaminar com o odor pestilento que exala dessas catacumbas modernas, o antídoto está bem aqui, onde você está agora. Fico muito à vontade para dizer, com a segurança de quem conhece a mercadoria: quem se abriga sob o meu guarda-chuva não se molha. O que quer dizer também que este blog é um candeeiro que ilumina o meu caminho e o de quem vem atrás.

Você não faz ideia do cenário de horror que este tsunami de absurdos e mistificação é capaz de deixar. Palavras dejetadas boiam num mar de obscurantismo. Restos de gosma pútrida (que teimam em chamar de material científico) atravessam ouvidos e mentes qual baba corrosiva de algum bicho desconhecido, como alien de Ridley Scott. Espectros humanos abraçados uns aos outros rastejam sem muito esforço, posto que estão no mesmo nível e eixo de seus habitats. Carcaças de mediocridade formando monturos aqui e ali. Quem disse que depois da tempestade vem a bonança nunca viu uma cena dessas de perto. Não queira. É sempre assim, sempre foi assim. Não há salvação para quem já nasceu moribundo, como diria Fernando Pessoa, cadáver adiado que procria.

Acha que me excedi, que passei da conta? Então veja algumas aberrações do programa "científico" do XX Congresso Brasileiro de Ufologia ocorrido dias atrás, um festival de oralidade putativa: "Contatos imediatos com extraterrestres relatados por Chico Xavier"; "A incrível história do mineiro que foi a Marte"; "Alienígenas no Sistema Solar: a descoberta da conexão marciana". Falar de marcianos em pleno século 21 é sintoma inequívoco de idiotia. Até a ficção científica os aposentou há anos. De bônus, um "Workshop sobre abduções". 

Você não leu errado, o encontro foi em Julho deste ano, mas esse pessoal deve ter saído de um buraco qualquer do paleozoico. Não fui eu que me excedi, são eles, os alienados, agentes impunes da bandalha, que tripudiam sobre a nossa inteligência ao rasgar as costuras básicas do tecido social. É fundamental que você tenha ciência e consciência disso. É por causa dessa gente que a ufologia se tornou alvo de piadas e escárnio. O que se diz por aí sobre a idiota generalizada é inquietante: matilha de oligofrênicos, liga dos imbecis, sociedade dos patetas vivos, junta de retardados...

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Álvaro Cabral, Dicionário Técnico de Psicologia. Cultrix, 2006.

2 comentários:

  1. Em uma palavra, senhor Reis: picaretagem. Mas, se há mercado, só não o explora o tonto.. é assim em todos os setores: religião, política, ensino. E que dizer da tentativa de importar para o folclore brasileiro uma brincadeira inglesa? Exportemos, pois, o saci-pererê e o boto tucuxi.
    É delicioso observar que o senhor não poupa de uma boa lambada antigos e bem manjados ex-camaradas de ufologia.
    Abraço.

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  2. Quem será o psicopata. Quem escreve um texto desse ou quem estuda vidas de outros planetas.

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